A REFORMA DA PREVIDÊNCIA NO SENADO: CONFUSÃO DE CONCEITOS, IMPRECISÕES E LAMENTÁVEL RISCO DE RETROCESSO PARA O TERCEIRO SETOR

A proposta de reforma da previdência que foi aprovada na Câmara dos Deputados, passou a tramitar perante o Senado Federal com a proposição de uma PEC Paralela oferecida pelo Relator, o Senador Tasso Jereissati (PEC Paralela à PEC 06/2019).

O relatório do Senador Jereissati, apresentado no dia 28/08/19, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania é todo baseado no argumento da necessidade de se reconhecer que “o País se encontra em estado falimentar”.

Afirma existir um “direito à previdência social” que consome mais de 50% do orçamento primário e que “a União gasta muito mais do que arrecada em tributos. Este aparente paradoxo é explicado pela supremacia da Previdência”. E aqui já se vê clara confusão, pois previdência (lat. Praevenire), no âmbito econômico tem sentido de precaver, de garantir sobrevivência, o que a Constituição Brasileira estabeleceu como dever do estado. Portanto, a previdência como dever do estado é instrumento para a garantia de direitos. Então, não se extrai da Constituição nenhum fundamento de supremacia da previdência, mas todos os fundamentos para se afirmar a supremacia dos direitos sociais, pois cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são fundamentos da República consagrados já no art.1º da CR/88.

No mais, o relatório e parecer do Senador Jereissati insiste em circunscrever a necessidade de reformar o sistema de previdência social brasileiro a questões financeiras; à necessidade de restabelecer o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial pois é este princípio que norteia tanto o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) quanto o Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores (RPPS).

Critica, ainda, o mau emprego dos conhecidos princípios da vedação ao retrocesso social e o da segurança jurídica, afirmando ser “comum a lógica míope que esquece que os recursos da Previdência não nascem nas agências, mas são frutos de cortes em políticas e investimentos públicos ou da tributação das famílias (no presente ou no futuro, caso da emissão de dívida)”. Afirma ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana “é frequentemente usado para justificar transferências dos mais pobres aos mais ricos”.

Esta construção acaba por servir de fundamento para o argumento genérico de que a reforma da previdência acabará com o desequilíbrio econômico e atuarial das contas públicas o que permitirá a implementação dos direitos sociais.

E, uma das formas de se restabelecer o necessário equilíbrio é a restrição ao que chama de “renúncias previdenciárias de baixo impacto social particularmente feitas em benefício de grupos econômicos que podem arcar com as contribuições”…”Trata-se da revisão das renúncias para as entidades ‘filantrópicas’ que oferecem pouca contrapartida à sociedade, especialmente no setor de educação”… Isto, porque, afirma o Relator, “não temos clareza sobre porque faculdades destinadas a elite da elite; hospitais que pagam salários de 6 dígitos; (…) não devem pagar o INSS de seus funcionários”.

Com o devido respeito, todos os membros do Poder Legislativo já deviam saber que a desoneração concedida pelo § 7º do artigo 195 da Constituição nunca foi forma de “renúncia previdenciária”, tampouco de renúncia de tributos. O Poder Judiciário há anos vem repetindo a afirmação de que a norma faz referência clara a imunidade que é limitação ao poder de tributar. Sua excelência, o Relator da PEC, ainda não entendeu que ninguém pode renunciar àquilo sobre o que não tem direito algum.

Esta falta de proximidade com o tema também se evidencia no desconhecimento da realidade das instituições filantrópicas do País, que, para ficar somente na área da educação, são protagonistas das políticas públicas de bolsas de estudo para alunos comprovadamente carentes. Estima-se que 20% das vagas em instituições de ensino filantrópicas seja destinada a alunos carentes.

Se a questão se resumisse simplesmente à busca do “equilíbrio econômico e atuarial”, ainda assim, a miopia não está nas entidades do Terceiro Setor. Dados colhidos pela consultoria Dom Strategy Partners compilados em pesquisa encomendada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas – FONIF dão conta de que “segundo números reunidos na pesquisa, a cada R$ 1,00 investido pelo Estado no setor com as imunidades fiscais, a contrapartida real é de R$ 7,39 em benefícios entregues à população – ou seja, uma entrega mais de sete vezes superior ao que é recebido”.

Mas este tema não se resume somente a estes números. Se nos limitarmos à análise dos números corremos o risco de deixar de reconhecer que os reais beneficiários da imunidade tributária não são as entidades do Terceiro Setor.

Os destinatários da imunidade concedida às entidades do Terceiro Setor (atuantes da educação, saúde e assistência social sem fins lucrativos) são exatamente os titulares dos direitos à saúde, assistência social e educação, que não podem pagar por mensalidades de creches, planos de saúde ou de escolas. E isto quem afirma é o Supremo Tribunal Federal (ADI 2028 e Recurso Extraordinário 566622).

Portanto, a restrição de direitos constitucionalmente consagrados acabará agravando ou impedindo a implementação dos direitos fundamentais elencados, entre outros, no art. 6º da CR/88. Quem sofrerá com isso serão os mais vulneráveis economicamente.

 

Mauro Junior Seraphim

Advogado – OAB/PR 17670

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