COVID-19 E AS ALTERNATIVAS DE AULAS ONLINE OFERECIDAS PELAS ESCOLAS – ADITAMENTO CONTRATUAL QUE INOVA AS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS

A Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado, subordinada à Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, produziu a Nota Técnica nº 14/2020[1], cuja finalidade é tratar dos efeitos jurídicos nas relações de consumo envolvendo serviços de instituições de ensino durante a pandemia do COVID-19 – “coronavírus”.

O objetivo da Norma, assim, é a análise das relações entre escolas e o seu público consumidor nesta fase de implementação de medidas de quarentena adotadas pelo governo federal, por governos estaduais e por prefeituras que impuseram limitações na capacidade das instituições de ensino na prestação dos serviços para os quais foram contratadas, nomeadamente a realização de aulas presenciais.

Nesse contexto, a Nota Técnica refere que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tem recebido várias solicitações e indagações a respeito da interrupção na prestação de serviços educacionais e a obrigação do pagamento de mensalidades escolares nesta situação.

Refere ainda que o Código de Defesa do Consumidor – CDC estabelece que o prestador de serviços será responsabilizado independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e riscos (art. 14, caput), exceto se provar que tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou que a culpa pelo defeito é exclusiva do consumidor ou de terceiro (§ 3º, art. 14).

Apesar de apontar que a regra geral é a do caput do art. 14 do CDC, o estudo técnico reconhece a possibilidade de quebra do nexo causal entre o serviço defeituoso e a responsabilidade do prestador de serviços nos casos em que esteja demonstrada a existência de fato imprevisível e inevitável que impeça a prestação do serviço na forma em que foi contratado. Neste caso, sustenta a Nota, não se poderia responsabilizar o fornecedor do serviço por evento ao qual não deu causa, tampouco tinha como prevê-lo ou evitá-lo.

Não é exagero lembrar que o art. 393 do Código Civil estabelece que o devedor (de uma obrigação genérica qualquer) não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado, sendo certo que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.

Para reforçar este entendimento, invoca precedentes do Superior Tribunal de Justiça que admitem que, ante a ocorrência de casos fortuitos ou de força maior, a responsabilidade do prestador do serviço por eventuais reparações estaria excluída.

De acordo com a Nota Técnica, a Secretaria Nacional do Consumidor tem se esforçado na tentativa obter soluções consensuais para os casos de que tem conhecimento a partir da garantia da prestação do serviço, ainda que de forma alternativa como a oferta de ferramentas online e/ou recuperação das aulas, entre outras, ou garantir ao consumidor que, nos casos em que não houver outra possibilidade, seja feito o cancelamento ou desconto do contrato com a restituição parcial ou total dos valores devidos, com uma sistemática de pagamento que preserve o direito do consumidor mas não comprometa economicamente o prestador de serviço.

A Nota Técnica recomenda, afinal, que consumidores evitem o pedido de desconto de mensalidades a fim de não causar um desarranjo nas escolas que já fizeram sua programação anual – o que poderia até impactar o pagamento de salário de professores, aluguel, entre outros. Sendo assim, as entidades de defesa do consumidor devem buscar tentativa de conciliação entre fornecedores e consumidores no mercado de ensino, para que ambos cheguem a um entendimento acerca de qualquer uma das formas de encaminhamento da solução do problema sugeridas, sem que haja judicialização do pedido de desconto ou cancelamento de mensalidades, possibilitando a prestação de serviço de educação de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação.

A interrupção do contrato com o desconto ou cancelamento de mensalidades e fornecimento do conteúdo das aulas será, segundo o nosso entendimento, a pior das hipóteses, pois gera prejuízo para os alunos que são titulares do direito fundamental à educação, bem como às escolas que ficarão sem uma valiosa fonte de renda para cumprimento de outras obrigações assumidas, tais como salários e fornecedores.

Entretanto, é altamente recomendável que as escolas que optem por oferecer alternativas para evitar o fim da relação contratual, tais como o uso de ensino a distância ou outras ferramentas online e/ou recuperação das aulas, mantenham a mesma qualidade do serviço prestado normalmente. Referimo-nos especialmente ao treinamento dos docentes para o uso da tecnologia adotada, de maneira que não haja perdas em desfavor do aluno, sob o risco de estar caracterizada uma prestação de serviço com novos defeitos, neste caso, inexcusáveis.

A oferta de conteúdo online representa uma forma de aditamento ao contrato inicialmente assinado. Na hipótese de o ensino à distância não manter a mesma qualidade do presencial, pode-se até sustentar que não se trata mais de exclusão da responsabilidade de reparação de eventual dano ante a ocorrência de caso fortuito ou força maior decorrente da pandemia que impossibilitou a reunião de alunos em sala de aula, mas de serviço de educação à distância defeituoso, fato que mudará o ponto central do problema – ressurgindo a possibilidade do dever de reparação pelo prestador do serviço.

Além disso, as escolas deverão se preocupar em averiguar se a solução oferecida atende a todos os alunos, pois poderá haver casos de alunos que não tenham disponibilidade de tecnologia ou mesmo serem portadores de necessidades especiais que impeça ou dificulte a sua “presença” nas aulas ministradas com o uso de tecnologias online.

De resto, a recomendação da Nota Técnica nº 14/2020, da Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado, subordinada à Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é irretocável quando recomenda os máximos esforços de todos os envolvidos na busca de solução negociada para as dificuldades decorrentes da realidade pela qual passamos.

Eros de Mello Vieira Jr

Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 66.086; graduado pelo Centro Universitário UNICURITIBA; pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Contador inscrito no Conselho Regional de Contabilidade do Paraná – CRC/PR sob o nº PR-076555/O; membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná – IDT/PR.

 

Mauro Júnior Seraphim

Advogado, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, estudou Ciências Jurídico Políticas (Direito Constitucional, Direito Internacional Público e Direito Comunitário Econômico) na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa,  Portugal. Estudou Direito Empresarial no Centro Universitário Unicuritiba, Direito Tributário na PUCPR. Especialista em Direito Médico no Unicuritiba e Gerência de Projetos no ISAE/FGV. Atuação profissional voltada para questões do 3º  Setor, Saúde (Direito Médico e Hospitalar) e Educacional.

Desde 2004, como procurador Juridico da Associação Paranaense de Curitiba (PUC/PR), atuou diretamente no Hospital Universitário Cajurú, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Hospital e Maternidade Alto Maracanã, Hospital Nossa Senhora da Luz, Hospital Marcelino Champagnat. Membro do GT legal regulatório, na Associação Nacional dos Hospitais Privados. Membro do GT de discussão do Plano Nacional de Educação PNE, na União Marista do Brasil.

[1] Acesse a Nota Técnica aqui: nota-técnica-Senacon

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