STJ: Condomínio pode proibir aluguel por meio de plataformas digitais
4ª turma considerou que a locação, nessas circunstâncias, não tem destinação residencial e, sim, comercial.
A 4ª turma do STJ determinou que condomínios podem proibir aluguel por meio de plataformas digitais, como o Airbnb. Seguindo voto de Raul Araújo, a maioria dos ministros consideraram que, existindo na convenção de condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se inviável o aluguel nessas circunstâncias.
O recurso analisado é de mãe e filho que recorreram contra acórdão do TJ/RS. O Tribunal gaúcho manteve a ordem de abstenção da atividade de hospedagem nos dois imóveis que os recorrentes detêm, atendendo a pleito do condomínio.
Sustentações
- Condôminos
Em sustentação oral, a defesa dos recorrentes afirmou que a prática de locação de dormitórios já era recorrente no condomínio: “Até hoje a locação é desenvolvida em outras unidades autônomas que integram o condomínio, sem que a administração tenha adotado iniciativa semelhante para vedar a locação.”
Além disso, destacou que “o eixo principal é a defesa do direito de propriedade” desde que respeitas as regras do condomínio, o sossego e a saúde dos demais condôminos, “sempre respeitados pelos recorrentes”.
- Airbnb
O Airbnb também se manifestou da tribuna, após o relator Salomão deferir o pedido da plataforma de integrar o processo como assistente. Da tribuna, o Airbnb lembrou que a plataforma só faz a aproximação entre locador e locatário: “O contrato não tem participação do Airbnb, as partes negociam entre elas as condições do contrato de locação, e o locador pode esclarecer as normas de condomínio, as regras a serem seguidas.”
Conforme a defesa, o Airbnb “é a antítese da hospedagem”, que carrega serviços. “Sem serviços, não há hospedagem.” Por fim, destacou a importância econômica da plataforma, que girou ano passado quase R$ 8 bilhões – além disso, 23% da renda familiar dos que alugam (os anfitriões) resultam do Airbnb.
Economia compartilhada
O ministro Luis Felipe Salomão inaugurou o voto apresentado à turma destacando a importância do julgamento: “Esses temas que são palpitantes, que dizem respeito à evolução da sociedade, aportam primeiro aqui. A palavra do STJ é muito importante para definição da jurisprudência, fundamentar as decisões que começam a pipocar aqui e ali.”
O ministro explicou que a solução da controvérsia passa pela análise acerca de eventual destinação comercial conferida aos imóveis. S. Exa. mencionou dispositivos da lei 11.771/08, que traz normas sobre a política nacional de turismo (art. 23º, §3º e 4º).
Conforme Salomão, a jurisprudência delimita de maneira clara o contrato de hospedagem – que tem como atividade preponderante nesse tipo de serviço o complexo de prestações.
“O contrato de hospedagem compreende a prestação de múltiplos serviços, sendo essa se não a tônica do contrato”, disse o ministro, destacando ser “elemento inerente à sua configuração” serviços como portaria, segurança, limpeza e arrumação dos cômodos.
Assim, entendeu não ser possível caracterizar a atividade realizada pelos proprietários como comercial.
“A alegação de alta rotatividade de pessoas, ausência de vínculo dos ocupantes e suposto incremento patrimonial dos recorrentes, não demonstrado, não servem para configuração da exploração comercial dos imóveis, sob pena de desvirtuar a própria caracterização da atividade.”
Luis Felipe Salomão ressaltou que a questão nova, de fato, é a potencialização do aluguel por curto ou curtíssimo prazo decorrente da transformação econômica pelo uso da internet. O ministro lembrou o incremento da realização de negócios entre as partes, que se vinculam por meio de plataformas digitais, e citou outros exemplos da economia de compartilhamento, como o Uber e Booking.
S. Exa. leu trecho do voto do ministro Luís Roberto Barroso proferido em julgamento do STF, que concluiu pela constitucionalidade dos aplicativos de transporte individual de passageiros.
Necessidade de regulação
O relator citou dados econômicos que “retratam o impacto da atividade e seus efeitos em relação a novos empregos”, com incremento de riqueza inclusive em atividades indiretas, bem como doutrinadores de Direito Civil que estudaram a economia compartilhada por plataformas virtuais como o Airbnb.
O ministro analisou as proposições legislativas que tratam do tema, e chamou a atenção para o fato de que o legislador entende que é questão locativa, e não de hospedagem, “porque busca inserir as alterações, nas diversas proposições que existem, no âmbito da regulação de locação”.
Ao mencionar o tratamento da matéria no exterior (Berlim, São Francisco, Barcelona, Amsterdã e outras), Salomão afirmou: “Há uma pulverização de regulamentação dessa atividade, mas tem um ponto comum – a busca pela regulação. Há necessidade de regulação.”
De acordo com S. Exa., no atual estágio, não há como enquadrar a atividade “em uma das rígidas formas contratuais existentes no tratamento jurídico existente”.
“Afastei a atividade comercial, mas não consegui colocá-la como atividade de locação“, disse, ao salientar a multiplicidade de modalidades negociais, que variam caso a caso.
No caso concreto, Salomão considerou que há evidência de locação por temporada – seja no imóvel em que os recorrentes alugam cômodos ou no imóvel que alugam em sua totalidade, por prazos de curta duração: “As relações negociais mais se aproximam aos contratos de locação por temporada.”
Direito de propriedade
Em seguida, o relator tratou dos limites da restrição ao direito de propriedade. De início, recordou que o direito à propriedade tem assento constitucional.
Salomão elencou dois precedentes da Corte, da 3ª e 4ª turmas, nos quais afastadas restrições de condomínio (de proibição de animal e de condômino inadimplente frequentar área de uso comum).
“Nos dois casos afastou-se a restrição por falta de razoabilidade frente ao direito de propriedade. Os critérios foram pensados sob o prisma da legalidade, razoabilidade, legitimidade, da proporcionalidade da medida de restrição frente ao direito de propriedade.”
O ministro assentou a ausência de qualquer lei que limite tal comportamento dos requeridos, e que os recorrentes realizam as atividades desde 2011 sem que tenha havido oposição de insurgência dos demais condôminos.
“Tampouco há qualquer prova de quebra ou vulneração de segurança no convívio do condomínio. É ilícita a prática de privar o condômino do regular exercício de direito de propriedade em sua vertente de exploração econômica. O uso regular da propriedade em inseparável análise da função social permite concluir pela possibilidade de exploração econômica do imóvel.”
Por fim, lembrou, nos limites da lei, o condomínio poderá adotar outras medidas adequadas, mas não poderá impedir a propriedade como se pretendeu.
Assim, deu provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido do condomínio.
Residência x morada
Em seu voto-vista proferido nesta terça-feira, 20, o ministro Raul Araújo ressaltou que residência é a morada de quem chega e fica. “Não é pousada eventual de quem se abriga em um lugar para partir de outro“, completou.
“O que aluga uma casa em uma zona de praia para passar o verão tem ali uma morada, mas não tem residência. Um estudante que passou na Europa recebendo bolsa de estudos, não tem ali seu domicilio, muito embora ela resida e faça o centro de suas atividades estudantis.”
O ministro considerou que a alta rotatividade de pessoas é indicio da hospedagem, o que não é permitido pela convenção do condomínio. Raul Araújo apreciou argumentos levados pela defesa de que o negócio proposto pela dona do imóvel não se amolda a locação residencial ou mesmo locação por temporada.
“A locação por temporada estabelece prazo máximo de 90 dias e o oferecimento de serviço não está incluído no rol de direitos e deveres de locador e locatário. A relação jurídica analisada é atípica, assemelhando a contrato de hospedagem. O que não pode ser admitido, em face da convenção condominial, é a alteração do contrato típico em convento, a qual restou evidenciada pela prova dos autos.”
Para Raul Araújo, trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados.
“Essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra ainda clara definição doutrinaria ou mesmo legislação reguladora no Brasil. Não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, nem mesmo com aquela menos antiga, denominada de aluguel por temporada. Tampouco se mistura com os usuais tipos de hospedagem ofertados de modo formal por hotéis e pousadas.”
Segundo considerou o ministro, está correta a interpretação das instâncias ordinárias de que os negócios jurídicos realizados não se enquadram nas hipóteses de locação, configurando, na prática, contrato atípico de hospedagem.
“Condomínios e Airbnb”
O ministro dispôs em seu voto a íntegra de artigo publicado por Migalhas, do jurista Sílvio de Salvo Venosa, denominado “Condomínios e Airbnb“. No artigo, o professor sustenta que a solução mais eficiente parece ser a previsão ou proibição de hospedagem pela natureza do condomínio na sua convenção.
“O maior entrave para a utilização generalizada dessa modalidade diz respeito aos condomínios estritamente residenciais. Esta, como inúmeras inovações sociais trazidas nesta contemporaneidade, gera inquietação aos moradores, principalmente pela quebra de segurança, sem falar na interferência do sossego e no eventual tumulto da vida condominial.”
Para Raul Araújo, portanto, existindo na convenção de condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se inviável o uso das unidades particulares, que por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade residencial.
Dessa forma, votou para negar provimento ao recurso especial.
Os ministros Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira acompanharam a divergência.
- Processo: REsp 1.819.075
Fonte: Portal Migalhas
Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/344000/stj-condominio-pode-proibir-aluguel-por-meio-de-plataformas-digitais. Acesso em 20 de abril de 2021.