A ILEGALIDADE DA INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE AS TARIFAS TUST E TUSD NAS CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICA

Como se não bastasse a alíquota excessivamente elevada para se tributar o consumo de energia elétrica, os estados tributantes estão exigindo ICMS sobre base de cálculo superior àquela constitucionalmente prevista para tributação deste bem essencial.

Isso porque, independentemente da caracterização do contribuinte como consumidor cativo ou livre, o tributo não está sendo cobrado tão somente sobre o valor da mercadoria efetivamente utilizada (TE), mas, também, sobre as Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e Transmissão (TUSD e TUST) de energia elétrica proveniente da rede básica de transmissão.

Para os consumidores cativos, que compram a energia diretamente da concessionária, a TE e a TUSD/TUST são cobradas na mesma fatura de energia elétrica emitida pelas concessionárias. Para os consumidores livres, a TE é cobrada diretamente pelo fornecedor que atua no mercado livre, de modo que apenas a cobrança da TUSD/TUST é realizada pelas concessionárias. Em ambos os casos o ICMS está sendo cobrado pela Fazenda Estadual.

Ocorre que a legislação é clara ao dispor que a base de cálculo para o cômputo da obrigação tributária deve ser apenas o valor do efetivo consumo de energia (TE) – sem a inclusão da quantia destinada ao pagamento das tarifas pela utilização do sistema de transmissão e distribuição (TUSD e TUST).

A TUSD e a TUST são definidas pela ANEEL como tarifas devidas pelos usuários em razão do uso da infraestrutura de transmissão e distribuição de energia elétrica. Essas tarifas, portanto, não se confundem com a tarifa de energia efetivamente consumida (TE), de modo que não poderiam compor a base de cálculo do ICMS porque não representam o preço da energia elétrica, enquanto mercadoria.

Em outras palavras, a TUSD e TUST são tarifas cobradas sobre o “transporte” da energia elétrica. Não se trata de cobrança pela utilização da energia elétrica propriamente dita, não havendo margem legal para que os valores das tarifas de utilização do sistema de transmissão e distribuição (TUSD e TUST) sejam tributadas pelo ICMS.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar o tema, manifestando-se no sentido de ser ilegal a inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica. Nesse sentido as decisões abaixo:

PROCESSUAL CIVIL.  TRIBUTÁRIO.  OMISSÃO  INEXISTENTE.  LEGITIMIDADE ATIVA. ICMS SOBRE “TUSD” E “TUST”. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ.

  1. Não há  a  alegada  violação do art. 535 do CPC, ante a efetiva abordagem   das   questões   suscitadas  no  processo,  quais  seja, ilegitimidade  passiva  e  ativa  ad  causam,  bem como a matéria de mérito atinente à incidência de ICMS.
  2. Entendimento contrário ao interesse da parte e omissão no julgado são conceitos que não se confundem.
  3. O STJ reconhece ao consumidor, contribuinte de fato, legitimidade para propor ação fundada na inexigibilidade de tributo que entenda indevido.
  4. “(…) o STJ possui entendimento no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema  de  Distribuição  de  Energia Elétrica – TUSD não fazem parte   da  base  de  cálculo  do  ICMS”  (AgRg  nos  EDcl  no  REsp 1.267.162/MG,  Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 24/08/2012.).

Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 845.353/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 13/04/2016)

“(…) A questão nodal posta no recurso especial refere-se à possibilidade de o contribuinte pagar ICMS sobre os valores de transmissão e distribuição de energia elétrica, reconhecida como Tusd (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica). A jurisprudência desta corte de Justiça firmou o entendimento de que o ICMS não incide sobre as tarifas de uso do sistema de distribuição, já que o fato gerador do imposto é a saída da mercadoria, ou seja, a energia elétrica efetivamente consumida pelo contribuinte (…)”

(AgRg no REsp 1.075.223, 1ª Turma, relatora ministra Eliana Calmon, DJe: 11.6.2013)

O principal fundamento das decisões do STJ é o de que inexiste previsão legal e constitucional para cobrança do ICMS no “serviço de transporte de energia”. Desse modo, a incidência do ICMS sobre as tarifas cobradas pelo deslocamento da energia encontraria óbice, por aplicação analógica, na Súmula 166 do STJ, segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”[1].

Essas tarifas, portanto, são estranhas ao fato gerador do ICMS sobre as operações com energia elétrica, majorando indevidamente a conta mensal do usuário em aproximadamente 10% no valor da fatura para consumidores cativos e de 15% para os consumidores livres.

No entanto, o valor exato a ser recuperado pode ser de difícil apuração, na medida de que algumas Concessionárias não fornecem de modo expresso o valor pago a título de TUST e TUSD – não obstante a existência de legislação obrigando-as a discriminar a composição da fatura.

Nesses casos, a informação pode ser obtida mediante: a) requerimento extrajudicial formal junto à Concessionária; b) perícia especializada acerca da composição das faturas; e, c) requerimento em juízo de produção antecipada da prova, nos termos do artigo 381 do CPC/2015.

Para finalizar, importa destacar que os maiores beneficiados pela tese são os contribuintes que não podem se creditar do tributo, tais como hospitais, shoppings, comércios em geral. No caso das indústrias que tomam crédito de ICMS incidente sobre a energia elétrica consumida em seu processo de industrialização, é prudente uma análise contábil prévia a fim de mensurar o beneficio da medida.

Havendo interesse, tanto os consumidores cativos quanto os consumidores livres podem ingressar com ação judicial para requerer o reconhecimento da ilegalidade na cobrança de ICMS sobre as tarifas de TUST e TUSD constantes em suas faturas de energia elétrica, bem como a condenação do Estado a restituir os valores indevidamente recolhidos a esse título nos últimos cinco anos.

Eros de Mello Vieira Jr

Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 66.086; graduado pelo Centro Universitário UNICURITIBA; pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; acadêmico de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Paraná – UFPR;  membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná – IDT/PR.

 

[1] AgRg no REsp 1135984/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 04/03/2011)

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