OS CUIDADOS COM A BOA TÉCNICA NA REDAÇÃO DO ESTATUTO DE UMA ASSOCIAÇÃO
Ainda que não se trate de lei formal, o estatuto de uma associação tem valor contratual, de lei entre as partes, de compromisso cuja inobservância pode gerar nulidades dos atos praticados, seja pela direção institucional ou pelo seu órgão máximo de deliberação, a Assembleia Geral.
O descumprimento dos preceitos e limites estatutários sujeita o agente a responsabilização pessoal que pode ser civil ou até criminal.
Em razão disso, é muito importante que este documento constitutivo tenha sido redigido de forma clara e objetiva, segundo a melhor técnica. Oferecendo o mínimo de dúvidas para que os seus preceitos sejam entendidos por todos e seus limites sejam observados.
Esta melhor técnica poderá ser inspirada nos preceitos da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.
É altamente recomendável que aquele que se dedicar a elaborar um estatuto, ou mesmo reformá-lo, escreva as suas normas de maneira sistematizada, observando não só a coerência interna de suas disposições, mas também lembrando da necessidade da sua inserção no sistema jurídico. Essa sistematização corresponde às exigências mínimas de segurança jurídica. A melhor doutrina trata deste assunto segundo duas vertentes: a sistemática interna (compatibilidade teleológica e ausência de contradição lógica) e sistemática externa (estrutura da lei).
A sistematização interna da norma deve conduzir ao afastamento do risco de contradições lógicas, valorativas ou teleológicas.
Há contradição lógica, por exemplo, na disciplina estatutária que em um artigo trata das diversas categorias de associados, dividindo-as em “A”, “B”, “C” e “D”, estabelecendo que somente os associados “A” e “B” têm direito de votar e ser votados nas eleições, mas em outro artigo estabelece que a diretoria somente poderá ser comporta por associados da categoria “C”.
Pode haver contradição valorativa se, por exemplo, o documento estabelece como princípio fundamental da instituição a não discriminação de gênero, mas estabelece que determinado cargo ou determinada função deve ser desempenhada só por homem ou só por mulher.
Evidencia-se uma contradição teleológica quando há uma dissonância entre os objetivos de disposições diversas, de modo que a observância a um preceito importa a nulificação dos objetivos visados pela outra, por exemplo a coexistência de disciplina que pregue a busca de sinergia entre os associados e a disciplina que tenha por efeito a dispersão dos interesses destes mesmos associados. Enfim, um estatuto deve ser sistematizado internamente a partir de um texto escorreito e simples.
Sob o ponto de vista da sistematização externa ou apresentação estruturada da norma, observa-se a seguinte estrutura genérica: livros, títulos, capítulos, seções, subseções e artigos. Esta estrutura não se aplica integralmente aos estatutos, tampouco à maioria dos atos normativos. A realidade dos estatutos é a de sua organização em torno de artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens.
Cada artigo deve tratar de um único aspecto do assunto tratado. O artigo deve conter tão somente o princípio geral. As disciplinas complementares e as exceções devem ser tratadas nos parágrafos. Quando o tema principal demandar especificações ou discriminações, o enunciado deve compor o que se conhece por caput (cabeça) do artigo, e as disciplinas complementares são apresentadas sob a forma de incisos. O vernáculo deve ser o mais simples, usado em seu sentido corrente sempre que não se tratar de tema técnico. As frases devem ser preferencialmente curtas. Os primeiros artigos devem ser destinados ao estabelecimento dos objetivos da norma, à delimitação do seu alcance e à definição dos conceitos fundamentais que auxiliem a sua compreensão. Não convém que os conceitos sejam diferentes de sua acepção normal
Parágrafo é uma disposição secundária de um artigo que veicula uma explicação ou modificação da disposição principal referida no caput. O parágrafo é representado pelo sinal gráfico §.
A utilização destas técnicas está longe de ser mera formalidade. Ao contrário, bem aplicadas elas auxiliam na melhor interpretação da norma, evitando-se problemas que podem ser de difícil solução, não raro com a judicialização de discussões que poderiam ser evitadas com o seu uso.
Mauro Júnior Seraphim
Sócio Fundador, advogado graduado em Direito pela PUCPR, com formação internacional em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa e especializações em Direito Empresarial, Tributário e Médico. Desde 2004, dedica sua carreira ao 3º Setor, à Saúde e à Educação, com atuação em hospitais de referência como Cajuru, Santa Casa de Misericórdia, Nossa Senhora da Luz e Marcelino Champagnat. Integrou a Comissão de Direito do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Paraná. Também integra grupos de trabalho nacionais voltados ao desenvolvimento do setor hospitalar e educacional.
