Recolhido x Destacado: qual o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins?

Desde o momento em que o plenário do Supremo Tribunal Federal apreciou o tema 69 da repercussão geral no leading case RE 574.706/PR e firmou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”, a Fazenda Pública tem criado incontáveis óbices a impedir que os contribuintes exerçam seu direito com plenitude.

Essa obstaculização tem como fundamento, sobretudo, a alegação de que o STF não teria definido qual seria o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, se o efetivamente recolhido pelo contribuinte ou aquele destacado em suas notas fiscais de venda.

Com base nessa tese, a União Federal opôs embargos de declaração requerendo que o julgado se aplique apenas em relação ao ICMS recolhido e não em relação ao destacado no documento fiscal. Requereu ainda a modulação dos efeitos da decisão para que tenha eficácia somente a partir de seu trânsito em julgado, a considerar um vultoso impacto negativo aos cofres públicos. O julgamento dos aclaratórios foi pautado para a data de 05/12/2019.

A intenção da Fazenda se justifica financeiramente – mas não juridicamente – na medida de que o valor do ICMS recolhido é relevantemente inferior ao destacado no documento fiscal, por força do princípio da não cumulatividade. Em termos contábeis, o ICMS recolhido trata-se do resultado da diferença entre o valor destacado nas vendas e o crédito obtido nas compras, conforme a seguinte fórmula:

ICMS recolhido = ICMS destacado nas NF’s de vendas – Crédito de ICMS sobre as compras

Para fins didáticos, consideremos a seguinte hipótese: determinada empresa tem como operação a revenda de um único produto, cuja alíquota de ICMS é 20%; em certo mês, realizou vendas no importe de R$ 30.000,00, enquanto suas compras totalizaram R$ 10.000,00.

Neste cenário, o crédito de ICMS obtido na compra foi de R$ 2.000,00; o ICMS destacado na venda foi de R$ 6.000,00; e o ICMS a recolher/recolhido (destacado – crédito obtido) foi de R$ 4.000,00.

Mas, afinal, qual é o valor que deveria ser excluído da receita bruta da empresa para fins de apuração da base de cálculo do PIS/Cofins: o ICMS destacado de R$ 6.000,00 ou o ICMS a recolher/recolhido de R$ 4.000,00?

A Fazenda Nacional posiciona-se pela situação mais benéfica ao seu anseio arrecadador, defendendo que o valor a ser descontado da base das contribuições deve se limitar ao ICMS recolhido. Para tanto, a considerar que os embargos de declaração opostos no RE 574.706/PR não possuem efeito suspensivo, a Receita Federal atuou de forma arbitrária ao impor seu – equivocado – entendimento por meio de normas administrativas.

Primeiramente, publicou a Solução de Consulta Interna Cosit nº 13, de 18 de outubro de 2018, estabelecendo que “para fins de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep, no regime cumulativo ou não cumulativo de apuração,(…) o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher”.

Mais recentemente, em 15/10/2019, foi publicada a Instrução Normativa nº 1.911, pela qual a Receita Federal reafirmou a orientação de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é o efetivamente recolhido, e não o valor destacado na nota.

Ao publicar as normas administrativas acima, fica clara a intenção da Receita Federal de reduzir o valor a ser descontado da base das contribuições apenas ao ICMS efetivamente recolhido. Ocorre que, ao agir dessa forma, a Fazenda Nacional tenta de forma ardil restringir os efeitos da decisão proferida pelo STF no RE 574.706/PR.

É que, neste julgamento, o pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu que é o ICMS como um todo que deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS. É dizer, não obstante possa haver crédito oriundo de compras a ser compensado, o valor de ICMS a ser descontado é o destacado na nota fiscal, pois é esse o montante que compõe a receita de venda e, consequentemente, é registrado pelo contribuinte como seu faturamento.

Nesse sentido, esclarecedor o voto da Ministra Carmem Lúcia, Relatora do RE 574.706/PR:

Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na ‘fatura’ é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo, ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições. […]. Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins. […].

A Fazenda Nacional, portanto, age de maneira arbitrária ao emitir normas administrativas que limitam o direito do contribuinte, em contrariedade à decisão do STF. Essa arbitrariedade merece ainda mais atenção e críticas pelo fato de que as normas administrativas vinculam os auditores do órgão – dando azo à propositura de novas ações pelo desrespeito à posição do Judiciário sobre a matéria.

Destarte, considerando que, embora possuam efeito vinculante no âmbito da RFB, as normas administrativas não prevalecem sobre decisões judiciais, resta ao STF colocar uma pá de cal nesta discussão quando do julgamento dos embargos de declaração no RE 574.706/PR.
Nesta oportunidade, espera-se que o Supremo reafirme seu entendimento para que, após o transito em julgado do processo, os contribuintes possam enfim ter seu direito respeitado com plenitude, sem a imposição de obstáculos para que procedam à exclusão dos valores do ICMS destacado em documentos fiscais da base de cálculo do PIS/COFINS.

Eros de Mello Vieira Jr
Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 66.086; graduado pelo Centro Universitário UNICURITIBA; pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Contador inscrito no Conselho Regional de Contabilidade do Paraná – CRC/PR sob o nº PR-076555/O; membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná – IDT/PR.

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