O STF e a indefinição quanto à obrigatoriedade do CEBAS para fruição da imunidade das entidades assistenciais

*Artigo Publicado no Portal Migalhas

Ainda carece de solução definitiva a discussão referente à exigência do CEBAS – Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social para fruição da imunidade tributária das entidades assistenciais às contribuições para a seguridade social, prevista no artigo 195, §7, da Constituição da República[1].

Essa definição tão aguardada pelo terceiro setor deverá ocorrer somente após o trânsito em julgado do Recurso Extraordinário 566622, no qual o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre a reserva de lei complementar para instituir requisitos à concessão de imunidade tributária às entidades beneficentes de assistência social – Tema da Repercussão Geral 32.

Em 23 de fevereiro de 2017, em julgamento em conjunto do RE 566622 com as ADIs n° 2028, 2036, 2228 e 2621, a controvérsia chegou perto de ter um fim favorável às entidades: o Plenário do Pretório Excelso havia fixado a tese de que “os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar”.

Naquela oportunidade, a considerar a previsão do artigo 146, II, da CF[2], o posicionamento da maioria dos Ministros do STF foi no sentido de declarar inconstitucionais as exigências previstas em leis ordinárias, de modo que, enquanto não fosse editada lei complementar, valeriam apenas as regras do artigo 14 do Código Tributário Nacional[3] para a fruição da imunidade do artigo 195, §7º, CF.

Em um primeiro momento, portanto, o Supremo Tribunal Federal afastou a exigência do CEBAS – Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social como requisito para fruição da imunidade tributária às contribuições para a seguridade social, pois o certificado só é concedido caso cumpridas condições (especialmente as contrapartidas) previstas em legislação ordinária.

Ocorre que a União Federal opôs embargos de declaração por alegada obscuridade no julgado, para que fosse esclarecido se a reserva à lei complementar também deveria ser observada em relação a aspectos meramente procedimentais; ou se lei ordinária poderia tratar de regras procedimentais de certificação, formalização e controle administrativo das entidades beneficentes.

Por maioria de votos, os Ministros acolheram os embargos para esclarecer que “aspectos procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo são passíveis de definição em lei ordinária, somente exigível a lei complementar para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas no artigo 195, § 7º, da Lei Maior, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas”.

Nessa esteira, o Plenário também consignou que o CEBAS é constitucional, por se tratar de norma procedimental de certificação. Assim, embora se trate de lei ordinária, a decisão declarou expressamente a constitucionalidade do artigo 55, II, da Lei 8.212/1991[4].

Contudo, em vez de pôr fim à discussão acerca dos requisitos necessários para a fruição da imunidade, o STF acabou por gerar mais insegurança jurídica sobre o tema ao não deixar claro se as entidades assistenciais obrigatoriamente devem possuir o CEBAS para terem direito à imunidade em relação às contribuições para a seguridade social. A considerar a obscuridade da decisão, a comunidade jurídica se dividiu sobre o que efetivamente restou decidido no julgamento dos embargos da União Federal no RE 566622.

Para alguns, ao declarar a constitucionalidade do artigo 55, II da Lei 8.212/1991, o STF decidiu pela necessidade de que as entidades assistenciais possuam o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS para que façam jus à imunidade do artigo 195, §7º, da CF. Assim, para ser considerada imune, a entidade deveria: primeiramente, ser possuidora do CEBAS para demonstrar que estaria apta para pleitear tal direito; evidenciada a possibilidade do pedido, comprovar o cumprimento dos requisitos (contrapartidas) estabelecidos na legislação complementar (artigo 14 do CTN).

Para outros, embora a constitucionalidade do CEBAS tenha sido reconhecida, a decisão não estabeleceu a certificação como um requisito para fruição da imunidade, na medida de que consignou expressamente que somente lei complementar pode estabelecer as contrapartidas a serem observadas pelas entidades para o gozo da imunidade. Consequentemente, em observância ao artigo 146, II, da CF, e enquanto não for editada lei complementar especifica sobre a matéria, entendem que os requisitos para fruição da imunidade prevista no artigo 195, §7º, CF, restringem-se aos elencados no artigo 14 do Código Tributário Nacional. O CEBAS seria um documento meramente declaratório deste direito à imunidade.

Concordamos com o segundo posicionamento. Isso porque, para obtenção da Certificação CEBAS, a entidade deve se submeter a processo administrativo para comprovar que cumpre uma série de requisitos (contrapartidas) previstos em lei ordinária (antigamente Lei nº 8.212/1991; atualmente Lei nº 12.101/2009). Dessa forma, a exigência do CEBAS para o reconhecimento de imunidade – por si só – é incoerente com a própria tese firmada pelo STF no RE 566622, segundo a qual contrapartidas para a fruição da imunidade tributária devem estar previstas em lei complementar. Trata-se de evidente restrição indireta ao direito à imunidade reconhecido pela Constituição. E esta restrição indireta é contrária à própria jurisprudência da Suprema Corte, no sentido de que as normas de imunidade devem ser interpretadas de maneira a lhes conferir a máxima efetividade.

Entender pela obrigatoriedade do CEBAS e também pela reserva de lei complementar para instituição de contrapartidas para fruição da imunidade é uma contradição. De acordo com esse entendimento, apesar de ser limitado à lei complementar as contrapartidas para gozo da imunidade, seria permitido que a legislação ordinária disciplinasse quem estaria apto (certificado) para pleitear a condição de imune. A consequência seria o esvaziamento da reserva de lei complementar para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo 146, II, CF), pois o filtro real estaria na legislação ordinária. Nesse cenário, uma entidade que cumpre integralmente os requisitos previstos em lei complementar poderia ter seu direito à imunidade negado por não possuir uma certificação estabelecida em lei ordinária.

O reconhecimento de que o CEBAS é constitucional em nada afeta a conclusão de que ele não deve ser exigido como requisito para o gozo da imunidade do artigo 195, §7º, CF, sob pena de ofensa ao artigo 146, II, da CF. Em verdade, a declaração de constitucionalidade da certificação traz consequências importantes, na medida de que a concessão do CEBAS se trata de um ato declaratório pelo qual a Administração reconhece o direito à imunidade que surgiu previamente quando a entidade atendeu aos requisitos estabelecidos em lei complementar.

Não faz sentido, portanto, exigir o CEBAS para gozo da imunidade tributária, pois esse certificado apenas reconhece que a entidade já era imune a partir do momento que cumpriu os requisitos estabelecidos na legislação complementar. Justamente por ser apenas um ato declaratório – que não cria, modifica ou extingue um direito -, é que entendemos que o CEBAS é dispensável para que uma entidade seja considerada imune, bastando o atendimento aos requisitos do artigo 14 do CTN – o que poderá ser comprovado pela certificação, mas também por outros meios de prova.

A palavra final caberá ao Supremo Tribunal Federal, que terá mais uma oportunidade de esclarecer essas questões controversas que ainda pairam sobre a matéria, ao examinar novos embargos de declaração opostos no RE 566622. É que a Associação Beneficente de Parobé, na condição de parte em referido leading case, requereu que a Suprema Corte esclareça os seguintes pontos, in verbis:

 

Primeira obscuridade, tendo em vista que não constou, expressamente, do acórdão embargado que somente as contrapartidas previstas no art. 14 do CTN podem ser exigidas como condição para a fruição da imunidade – inclusive para as entidades que não tinham pedido do Certificado protocolado perante a Administração, pois discutiam em Juízo o direito de acesso à imunidade observando somente as contrapartidas previstas no art. 14 do CTN;

Segunda obscuridade, consistente na ausência de manifestação expressa quanto à natureza eminentemente declaratória das “certificações” (como o CEBAS – Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social) cuja instituição por lei ordinária foi autorizada, devendo a imunidade ser fruída desde quando cumpridas as contrapartidas trazidas por lei complementar (CTN, no caso);

Terceira obscuridade, tendo em vista que não está claro, no acórdão, que as entidades que não possuíam CEBAS, mas cumpriam com os requisitos do art. 14 do CTN, tinham direito à imunidade tributária, uma vez que as condições exigidas para a expedição do CEBAS eram contrapartidas inconstitucionais, pois trazidas por lei ordinária. Neste sentir, é de rigor que se esclareça que as entidades que estão nessa situação possam, no bojo de seus procedimentos em curso – sejam judiciais ou administrativos – comprovar que cumpriam com os requisitos previstos no art. 14 do CTN, de modo a demonstrar que, materialmente, faziam jus à certificação – independentemente de terem formulado requerimentos administrativos.

 

Os embargos de declaração da Associação Beneficente de Parobé ainda não foram julgados. Esperamos que, desta vez, o Supremo Tribunal Federal dê uma solução clara e definitiva à discussão, fazendo valer o disposto no artigo 146, II, da CF e afastando qualquer exigência prevista em lei ordinária que limite, ainda que indiretamente, a fruição da imunidade das entidades assistenciais às contribuições para a seguridade social.

 

Eros de Mello Vieira Júnior

Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 66.086; graduado pelo Centro Universitário UNICURITIBA; pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Contador inscrito no Conselho Regional de Contabilidade do Paraná – CRC/PR sob o nº PR-076555/O; membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná – IDT/PR.

[1] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais.

  • 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

 

[2]  Art. 146. Cabe à lei complementar:

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

 

[3] Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

[4] Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009)

II – seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;                 (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

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